De quem é a responsabilidade pelos danos ambientais?
Revisão Jurídica: Cláudio Nunes Faria, Gersonise Bastos Valadão, Maria Lígia Gonçalves Teixeira e Leonardo Mendes Amorim.
Revisão de Texto: Maria Helena Gonçalves Teixeira e Rosa dos Anjos.
Sumário: Introdução. 1. Degradação da qualidade ambiental. 2. Breve histórico do Direito Ambiental. 3. Importância dada ao meio ambiente na Carta Constitucional brasileira de 1988. Conclusões.
Introdução
A Constituição brasileira de 1988 procurou dar ao meio ambiente uma proteção especial, sendo inovadora em vários pontos, principalmente, ao atribuir a todos a responsabilidade pela defesa de uma vida sadia para esta e para as futuras gerações. Estabelece um dever do Poder Público não excludente quanto ao dever de todos os cidadãos.
É de se esperar que o ser humano, cada vez mais, aperfeiçoe e desenvolva mecanismos que permitam compatibilizar o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, visto que longe de serem incompatíveis, como já se cogitou antigamente, esses dois temas são fundamentais para a sociedade e devem conviver em harmonia, para que haja maior equilíbrio e justiça social entre os povos. Assim, mostra-se indispensável promover a adequada reparação dos danos sofridos em decorrência de atividades degradadoras dos recursos naturais.
1. Degradação da qualidade ambiental
O meio ambiente constitui-se no conjunto de elementos naturais e culturais que favorecem o desenvolvimento pleno da vida em todas suas formas. Assim, a preservação, a recuperação e a revitalização do meio ambiente há de ser uma preocupação de todos.
A transformação adversa das características do meio ambiente é considerada pela lei como a degradação da qualidade ambiental (Lei 6.938, de 1981, art. 3o, II), a qual pode comprometer a atmosfera, hidrosfera ou litosfera. Daí, a necessidade de se conhecer as formas de degradação ambiental, com o escopo de desenvolver uma consciência ecológica visando à efetiva responsabilização de tais condutas.
O desmatamento, as queimadas, a devastação da flora, a poluição, a degradação do solo, constituem-se em formas de depredação ambiental.
O desmatamento irracional vem transformando várias regiões, no Brasil, e, no mundo, em verdadeiros desertos. As queimadas têm empobrecido sensivelmente o solo, retirando-lhe os nutrientes indispensáveis. Apenas recentemente se passou a incentivar e a impor florestamento e reflorestamento, o que por si não recompõe os elementos destruídos.
A poluição é a mais perniciosa forma de degradação do meio ambiente e o Decreto Federal 76.389, de 3.10.75, estabelece como poluição:
- Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente (solo, água e ar), causada por qualquer substância sólida, líquida, gasosa ou em qualquer estado da matéria, que, direta ou indiretamente:
- Seja nociva ou ofensiva à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações;
- Crie condições inadequadas para fins domésticos, agropecuários, industriais e outros; ou
- Ocasione danos à fauna.
Quem pode ser responsabilizado por um crime ambiental?
Oriana Piske de Azevedo Magalhães Pinto
Revisão Jurídica: Cláudio Nunes Faria, Gersonise Bastos Valadão, Maria Lígia Gonçalves Teixeira e Lidiane de Oliveira Dantas Santiago.
Parte II
- Responsabilidade Penal
A responsabilidade penal surge com a ocorrência de uma conduta omissiva ou comissiva que, ao violar uma norma de direito penal, pratica crime ou contravenção penal.
Os crimes constituem-se ofensas graves a bens e interesses jurídicos de grande valor, de que decorram danos ou perigos próximos. Às duas categorias de crime ? de dano e de perigo ?, a lei comina pena de reclusão ou de detenção, acumulada ou não com multa.
As contravenções penais referem-se a condutas que a lei comina sanção de menor monta, prisão simples ou multa. A lei é que vai apresentar o que é contravenção e o que é crime. O sistema legal brasileiro comina para o crime pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternada ou cumulativamente com a pena de multa; enquanto contravenção é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, a pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternada ou cumulativamente.
Na seara penal há uma grande tendência para descriminar os fatos, isto em termos gerais e não especificamente, para ilícitos ambientais. Como assevera Francisco de Assis Toledo,
?a tarefa imediata do direito penal, é portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos. Nisso, aliás, está empenhado todo o ordenamento jurídico. E aqui entremostra-se o caráter subsidiário do ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve estender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum. Não além disso?.
Segundo Vladimir Passos de Freitas
?o meio ambiente é bem jurídico de difícil, por vezes impossível, reparação. O sujeito passivo não é um indivíduo, como no estelionato ou nas lesões corporais. É toda a coletividade. O alcance é maior. Tudo deve ser feito para criminalizar as condutas nocivas, a fim de que o bem jurídico, que na maioria das vezes é de valor incalculável, seja protegido?.
A propósito observa Antonio Herman V. Benjamin :
?Se o Direito Penal é, de fato, ultima ratio na proteção de bens individuais (vida e patrimônio, p. ex.), com mais razão impõe-se sua presença quando se está diante de valores que dizem respeito a toda a coletividade, já que estreitamente conectados à complexa equação biológica que garante a vida humana no planeta.
Agredir ou pôr em risco essa base de sustentação planetária é, socialmente, conduta da máxima gravidade, fazendo companhia ao genocício, à tortura, ao homicídio e ao tráfico de entorpecentes, ilícitos também associados à manutenção, de uma forma ou de outra, da vida em sua plenitude. Os crimes contra o meio ambiente são talvez os mais repugnantes de todos os delitos de colarinho branco, sent?.
É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica em caso de danos ambientais?
DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO EM CRIMES AMBIENTAIS. É possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome.
Qual é a implicação da responsabilização penal em condutas prejudiciais ao meio ambiente?
A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
Qual a natureza jurídica da responsabilidade penal ambiental?
A responsabilidade de natureza penal, pela prática de con- dutas lesivas ao meio ambiente, encontra previsão na Lei nº 9.605/98. Nessa esfera, a respectiva responsabilização do po- luidor somente ocorre se houver a comprovação dos requisitos configuradores do Delito Ambiental.
O que é a responsabilidade ambiental objetiva?
A responsabilidade subjetiva depende da comprovação de dolo ou culpa, enquanto a responsabilidade objetiva se caracteriza pela comprovação do nexo causal.
A responsabilidade ambiental objetiva decorre da coisa (natureza propter rem), ou da atividade e o dano ambiental, sendo o bastante para fins de responsabilização, independentemente se a conduta danosa foi praticada por terceiro. Esta responsabilidade aplica-se tão somente na esfera civil.
Já na responsabilidade ambiental subjetiva, há que se ter o elemento CULPA, isto é, a exemplo do que ocorre na esfera penal, é necessário haver negligência, imprudência, imperícia ou dolo, de forma que a penalidade seja imposta ao real transgressor (princípio da intranscendência das penas).
Tal tese está estampada em Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental, volume 5, páginas 807 a 839, março de 2011, DTR/2012/44629, em artigo com o título “O mito da responsabilidade objetiva no direito ambiental sancionador”. No resumo do artigo a autoridade administrativa destaca:
O presente trabalho refuta a ideia de que a responsabilidade administrativa ambiental é objetiva, prescindindo do elemento subjetivo. Defende-se que para ser possível a aplicação da pena administrativa, à semelhança do que ocorre na seara penal, é necessário haver negligência, imprudência, imperícia ou dolo; sem alguns desses elementos não se justifica a punição administrativa, ainda que seja na seara ambiental.
O maior Tribunal do Brasil, com Câmaras específicas para julgar casos envolvendo matéria ambiental, a saber, 1ª e 2ª Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, são uníssonas na aplicação da teoria da responsabilidade administrativa ambiental subjetiva. Vejamos:
RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO AMBIENTAL. PRETENSÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA. QUEIMA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR SEM AUTORIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL.
Trata-se de recurso de apelação interposto pela CETESB contra sentença que julgou procedente pedido de anulação de AIIPM, por considerar ausente demonstração do nexo de causalidade entre a atividade da empresa e o incêndio.
A hipótese tratada nos autos refere-se à responsabilidade administrativa por infração ambiental, evidenciada pela aplicação do Decreto Federal 6.514/2008 (art.2), Decreto Estadual 47.700/2003 e Regulamento Estadual 997/76, aprovado pelo Decreto Estadual 8.468/1976.
Adota-se, para o caso concreto a teoria da responsabilidade subjetiva, na esteira do entendimento firmado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a aplicação de penalidades administrativas “deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu eleme”.
Qual a natureza jurídica da responsabilidade administrativa ambiental?
A jurisprudência do STJ reconhece que a responsabilidade administrativa por dano ambiental é de natureza subjetiva, não se confundindo o direito administrativo sancionador com a responsabilidade civil em matéria ambiental.
A responsabilidade objetiva em matéria ambiental está disciplinada na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), mais especificamente no §1º do artigo 14, no seguinte sentido:
§1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Pela teoria da responsabilidade objetiva, o poluidor, direto ou indireto, tem o dever de responder pelos danos causados ao meio ambiente independentemente da existência de culpa, isto é, basta a existência do nexo causal entre a sua atividade e a configuração do dano para que ela tenha incidência.
É comum que durante as fiscalizações ambientais, que os agentes lavrem autos de infração ambiental imputando ao administrado a responsabilidade administrativa pela infração, sem que sejam produzidas quaisquer provas de que o autuado concorreu para a infração.
Muito já se discutiu acerca da natureza da responsabilidade administrativa ambiental em doutrina e jurisprudência, com correntes sustentando se tratar de responsabilidade objetiva, com aplicação na forma acima mencionada, e, ainda, com posicionamentos defendendo a aplicação da responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa, na qual a autoria deve estar certa para a aplicação do jus puniendi estatal.
A discussão sobre o tema da responsabilidade administrativa se encontra atualmente superada, devido à decisão proferida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.318.051-RJ, sob a relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicado em 12/06/2019, na qual assentou o entendimento que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva. Vejamos a ementa da citada decisão:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim – ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA).
A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que “o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal ”.
Quais são as três formas de responsabilidade ambiental?
Parte I
Sumário:
- Introdução
- Degradação da qualidade ambiental
- Breve histórico do Direito Ambiental
- Importância dada ao meio ambiente na Carta Constitucional Brasileira de 1988
- Responsabilidade Civil
- Bases da Responsabilidade Civil
- Pressupostos da Responsabilidade Civil
- Dano
- Fato causador do dano ou ação lesiva
- Nexo causal entre o fato e o dano verificado
- Fatos geradores da Responsabilidade Civil
- Ato Ilícito
- Exercício de Atividade Perigosa
- Abuso de direito
- Responsabilidade por dano ambiental
- Influência do Código de Defesa do Consumidor na tutela ambiental
- Posicionamento dos tribunais
- Responsabilidade Administrativa
- Infrações e sanções administrativas
- Multa
- Perda ou restrições de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo poder público e/ou perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito
- Suspensão de atividades
- Suspensão de atividades licenciadas
- Suspensão de atividades não autorizadas
- Redução das atividades
- Formalização das sanções
- Poder de polícia ambiental
- Quem pode exercer o poder de polícia ambiental
- Contra quem pode ser exercido o poder de polícia ambiental
- Infrações e sanções administrativas
- Responsabilidade Penal
- Crimes contra o meio ambiente
- A Constituição e os crimes ambientais
- Legislação Penal Ambiental
- Responsabilidade penal das pessoas jurídicas de Direito Público na Lei 9.605/98
- O Juizado Especial Criminal
- Direito Penal ambiental comparado
- Posicionamento dos Tribunais
- Pontos de tangência das três vias
- Conclusões
- Bibliografia
Introdução
Esta análise crítica das três vias de responsabilidade pela degradação ambiental, procura realçar o aspecto civil, administrativo e penal da responsabilidade em face da depredação do meio ambiente. Este tema revela-se de fundamental importância não somente do Direito Ambiental, como também do Direito Constitucional.
A Constituição Brasileira de 1988 procurou dar ao meio ambiente uma proteção especial, sendo inovadora em vários pontos, principalmente ao atribuir a todos a responsabilidade pela defesa de uma vida sadia para esta e para as futuras gerações. Estabelece um dever do Poder Público não excludente quanto ao dever de todo os cidadãos.
É de se esperar que o ser humano, cada vez mais, aperfeiçoe e desenvolva mecanismos que permitam compatibilizar o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, visto que longe de serem incompatíveis, como já se cogitou antigamente, esses dois temas são fundamentais para a sociedade e devem conviver em harmonia, para que haja um maior equilíbrio e justiça social entre os povos. Assim, mostra-se indispensável promover a adequada reparação dos danos sofridos em decorrência de atividades degradadoras dos recursos naturais.
1 Degradação da qualidade ambiental
O meio ambiente constitui-se no conju”.